sexta-feira, 19 de julho de 2013

DIA 4 – PARTE 1 – THE WAY IS A PICTURE OF LIFE

Cizur Menor a Cirauqui.  30 km. 7h50 às 17h40.


Dia mágico, de verdade! Uma magia que emocionou e encantou a todos, principalmente a mim. E pra não ficar tão exaustante pra vocês, dividi esse dia em dois.

Comecei a caminhar mais cedo que todos, afinal minha caminhada seria no estilo ‘devagar e sempre’. E realmente foi assim, parei pouquíssimas e breves vezes, já que parar mais significaria esfriar o corpo e voltar a andar com mais dor.


Não demorou muito para o povo do albergue me ultrapassar. Logo no início da subida que teríamos no dia (saindo de pouco mais de 400m e chegando a quase 800m de altitude, no Alto del Perdón), eu já estava cansada. Com dores em todo o corpo, mas principalmente no pé. Os primeiros 5 até 10 dias de caminhada são os piores, já que o corpo ainda está entrando no ritmo da rotina de caminhar o dia inteiro carregando uma mochila.
Andar com o Crocs não era tão ruim, o problema eram as estradas de chão batido, já que todas as pedrinhas iam parar onde? Dentro do sapato! Além disso, era possível sentir quase todas as irregularidades do solo, o que, com uma mochila pesada nas costas, ficava um pouco desconfortável ao longo do tempo.

Amanhecer, próximo à Cizur Menor.

Avistei a coreana Hwang, que eu tinha conhecido no albergue na noite anterior, sentada próximo à estrada, tomando seu café da manhã. Sentei um pouco ali com ela para descansar.
Eis que ela viu o calçado que eu estava usando e (como várias pessoas) ficou impressionada. Então falou que tinha um tênis extra (usava um para caminhar e outro no albergue) e começou a insistir MUITO para eu experimentar o tênis. Eu disse que achava que não iria adiantar, visto que meu pé já estava machucado. Ela insistiu. E insistiu. E tirou o tênis da mochila.
Mais cedo nesta manhã, eu num momento de dor, refletindo sobre o que a dor queria me ensinar, pensei na minha dificuldade em aceitar a ajuda dos outros. E, minutos depois, estava ali o universo me dando a chance de fazer diferente e, sim, aceitar a ajuda. Pois se as pessoas oferecem, não é por obrigação, elas querem ajudar e ficarão tanto ou mais felizes que a pessoa ajudada. Decidi experimentar o tênis.

“Que número é?” “Ah, um número coreano...”

Não importa. Calcei. E... ficou PERFEITO! Serviu perfeitamente bem, e o melhor, não pressionava aonde meu pé estava machucado! Andei um pouco em volta e realmente o tênis era muito melhor que o Crocs. Ela disse que eu podia ficar com ele.

A alegria do tênis novo!!

Nesse meio tempo, um cara, o suíço Peter, viu a cena e começamos a conversar. Deixei Hwang terminando seu café e segui a caminhada ao lado de Peter, a passos lentos, mas mais confortáveis. Subimos a montanha, conversando e filosofando sobre a vida, sobre o caminho.
Pela segunda vez no Caminho de Santiago (dessa vez ele iria somente até Burgos), Peter agora queria fazer diferente. Na sua primeira vez, ele caminhou muito rápido, mais de 40km por dia. Chegou no final com aquele sentimento de ‘tá e ai?’, com a sensação de ter corrido o tempo todo. Além disso, ele percebeu que fez isso não só no Caminho, mas também vinha fazendo isso em sua vida. Então falou uma frase que passei a levar sempre comigo e que define muito bem o Caminho de Santiago:

THE WAY IS A PICTURE OF LIFE. O Caminho é um retrato da vida. É uma foto, uma representação da vida. O que você faz e a forma como vive, pensa e age no Caminho é a forma como você vive, pensa e age na sua vida. É uma vida inteira que se vive em pouco mais de 30 dias. Mais do que isso, é uma vida inteira que se vive em cada dia. A cada manhã, sua vida começa novamente. E como na ‘vida real’, a cada novo dia se tem a chance de fazer escolhas diferentes, mais conscientes e alinhadas com os seus valores e propósitos. A cada novo dia, você pode escolher se vai andar mais rápido ou mais devagar. Se vai conversar ou não. Se seus pensamentos serão bons ou ruins. Se você vai viver no presente ou no passado-futuro. Você escolhe o que você come, onde você dorme. Você escolhe o momento de parar e o momento de seguir em frente.

Nessa troca intensa de filosofias, histórias de vida e outros assuntos legais, nem vi a subida passar, e quando me dei conta, chegamos no Alto del Perdón. Lá em cima, encontrei o pessoal do albergue, que logo me saudaram com muita alegria ao me verem ali, feliz, de tênis novo, e com um sorriso que não cabia dentro de mim. Todos se emocionaram e de certa forma não acreditaram em como eu, naquela trilha ‘vazia’, tinha conseguido um tênis novo (e realmente era novo). Incrível!

Alto del Perdón.

Para alguns a subida tinha sido bem difícil, íngreme e parecendo não ter fim. Já eu tinha a sensação de ‘Subida? Ah é...’. A alegria de ver a mágica do Caminho acontecer, de passar do teste do universo sobre aceitar ajuda dos outros, e a ótima companhia fizeram com que eu nem percebesse o caminho difícil.

E quantas vezes isso acontece na nossa ‘vida real’? Quando valorizamos as coisas boas que estão acontecendo, as dificuldades nem são tão pesadas assim, não é mesmo?

3 comentários:

  1. Lindo amiga!! Valorizar a vida é um dos grandes passos que cada um de nós deveríamos dar, porém muitas pessoas acabam optando pela crítica. Devem achar mais fácil!! O certo é valorizar cada momento, pois os tornamos todos especiais.

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    1. Com certeza! E acho que é mais fácil né? Só que esse apego a tudo o que está dando errado acaba cegando e impedindo de ver o lado bom e as coisas boas que acontecem. A mente tem que estar sempre atenta e vigilante pra não cair nessa!
      Viver o presente e valorizar cada momento realmente torna tudo especial e de certa forma mágico!
      Grata pelo comentário!

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  2. Parabéns ! Leitura leve, gostosa que nos leva a pensar sobre nós mesmos. Já esperando a próxima postagem, a segunda parte do dia.

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