quinta-feira, 4 de julho de 2013

DIA 3 – PRIMEIRO DESAPEGO (E O SEGUNDO?)

Larrasoaña a Cizur Menor. 21 km. 8h às 16h.


Dureza. Se tivesse que resumir a caminhada de hoje com uma palavra, seria essa (Ah, que injusto! Também foi um dia lindo, cheio de insights, trocas e desapegos).

De manhã, quando estava pronta para caminhar, descobri a origem da dor do dia anterior: do tênis!! Meu tênis era bem velho, e, pelo o que eu lia na internet, ninguém recomendava comprar um tênis novo para estrear no Caminho. Acho que ele deformou um pouco na parte de dentro depois da chuva do primeiro dia, o que, com o peso da mochila e as longas caminhas diárias, passou a me machucar. E muito!! 
Não era possível. Aos 15 min do primeiro tempo eu já tava pedindo pra sair! A dor estava tão forte que era impossível caminhar. Como assim?? E agora??


Só que o Caminho é mágico e sempre lhe dá o que você precisa, no momento certo. Quando eu estava prestes a tirar o tênis e colocar meu chinelo havaianas (sim, qualquer coisa, menos aquele tênis!), Justin me emprestou o seu Crocs (aqueles calçados de borracha) e Stefan um de seus bastões de caminhada. Pronto. A felicidade de poder caminhar e ver paisagens como essa da foto, mesmo com dor e aos trancos e barrancos, era enorme.

Entretanto, fui obrigada a caminhar mais devagar que todos nesse dia. Todas as pessoas passavam por mim. E eu, que no início ultrapassava todo mundo e pensava ‘rá, seu fraco!’, era a fraca da vez. Comecei a pensar porque isso estava acontecendo e como era possível eu, que sempre fui tão forte e saudável, estar me arrastando feito uma lesma (no terceiro dia!).

Ao longo do dia, fui desapegando de querer ser rápida. E, diferente dos outros dias, caminhei boa parte do tempo sozinha, conversando vez ou outra com alguém. Foi ótimo, e vi como eu estava precisando disso.
E foi ótimo também para perceber que o caminho deu um jeito de me colocar pra dentro dele de uma vez, logo no início, já de cara. Pra eu me dar conta de coisas que talvez só fossem fazer sentido depois de muitos dias de caminhada. Como, por mais simples e idiota que pareça, pra eu parar de querer ultrapassar as pessoas! Hehe
Ninguém é melhor ou mais forte só porque caminha mais rápido. E de fato, eu percebi que na verdade eu gostava de caminhar mais devagar. Aquela correria dos primeiros dias estava me deixando ansiosa, correndo pra chegar em algum lugar sem de fato aproveitar o caminho. E não é como deveria ser? De que adianta chegar no albergue no fim do dia, ou mesmo em Santiago no fim da jornada, se não se aproveitou o caminho? E não é o mesmo com a vida?

Pamplona.

Chegando em Pamplona, tive minha primeira grande troca. Justine estava se despedindo (seguiria mais rápido pra pensar no que fazer, já que o namorado dela tinha sofrido um acidente, lembram?). Então trocamos, fiquei com o Crocs e dei a ela o meu chinelo. Pode ser simples, parecer tosco o que eu vou dizer, mas eu gostava do meu chinelo! Hahaha. Mas é, tem horas que a gente precisa deixar ir o que precisa ir pra dar lugar a algo novo. Era isso o que eu precisava AGORA. E pronto, agora eu tinha meu mais novo calçado de caminhada até meu pé ficar bom novamente e eu poder providenciar um novo tênis.

Catedral de Pamplona.

Em Pamplona, o almoço foi um agradável pique-nique no parque com a galera que estava no albergue na noite anterior. Aos poucos fui conhecendo aquelas pessoas, suas histórias de vida e motivações: Stefan, Andrew, Nate (you’re finally here!), Susanna, Trevor, Alex.


E que agradável!

Depois de ficar um tempo sentada no parque, meu corpo esfriou e, quando voltei a andar, meu deus! Meu pé doía muito e foi um sacrifício caminhar. Seguimos juntos até a próxima cidade, Cizur Menor. Pelo menos conversar com outas pessoas tirava o foco da dor e me mantinha caminhando. A idéia do pessoal era seguir para outra cidade e até comentei com o Alex que eu não sabia se conseguiria caminhar.
Quando chegamos em Cizur Menor, eu não queria me separar, não agora, queria conhecer aquelas pessoas, e me preparei psicológica e fisicamente (renovando alguns esparadrapos preventivos de bolhas) para caminhar mais, por mais difícil que fosse ser. Eis que quando me junto com eles, todos  falam (sorridentes) que vão ficar, não querem seguir até a próxima cidade. Eu digo que estou bem, que posso seguir com eles, mas todos insistem e inclusive dizem que se eu quiser muito, posso ir sozinha. Eles não sabem, talvez fiquem sabendo agora, mas naquele momento, tive que me segurar MUITO pra não chorar. E só me segurei porque ‘ainda era muito cedo pra eu ficar chorando na frente de desconhecidos!’. Bobagem né?! Hehehe Não sei, aquilo me tocou de alguma forma...

O albergue tinha um jardim extremamente agradável, tão convidativo que foi uma das poucas vezes que consegui praticar umas posturas de yoga no caminho. Nesse albergue, tinha uma senhorinha que olhava e cuidava dos pés dos peregrinos. De bolhas na verdade, então como o meu problema (por enquanto) era interno, ela não tinha muito o que fazer.

A janta foi compartilhada. Andrew cozinhou, auxiliado por Susana, e todos comemos e bebemos vinho. Ficamos conversando e jogando cartas até ‘tarde’ (umas 23h! hehe). Bem divertido. Estar só e estar junto, bom demais! Emprestando coisas, fazendo favores, dividindo a comida. Uma hora você dá e outra hora recebe. Parece que é assim que funciona. Esse é o Caminho. (escrevi isso SEM FAZER IDEIA do que iria me acontecer no dia seguinte. Simplesmente mágico!). 


E a GRATIDÃO no final de todos os dias é algo tão grande que não cabe no peito!
O  relaxamento, a paz, o banho... Ah o banho! Você não fica mais tão exigente com eles. E são sempre diferentes. Não dá tempo de se acostumar com nada. Todo dia é tudo novo. Todo o dia é o desconhecido. E qualquer conforto a mais que se tenha é um luxo e uma alegria (como ter locais para apoiar o shampoo e o sabonete no banheiro).
E é... o problema nos meus pés certamente apareceu para me colocar no Caminho. Para eu viver e sentir essas coisas desde o começo, durante todo o percurso. Porque depois da dor, a gratidão aumenta, a compaixão aumenta, você aprecia e dá valor para as pequenas coisas da vida, e os dias se tornam... Mágicos!


E aí? Encontrou os desapegos do dia? Tá fácil né? E já vi que tem bem mais de dois...

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