Quando digo que
fiz o Caminho de Santiago de Compostela, caminhando sem parar durante cinco
semanas, a maioria das pessoas me pergunta quantos quilômetros e quantas horas eu
caminhava por dia. Sendo assim, colocarei essas informações (números aproximados) no início de
cada postagem. Na verdade, isso variava bastante, de acordo com o dia, a
distância até a próxima cidade com albergue, o clima, e é claro, a disposição
de continuar ou não caminhando.
Com relação aos
horários, outro ponto relevante a ser considerado é a época do ano na qual se
realiza a caminhada. Pessoas que caminham no verão dificilmente irão caminhar
até o final da tarde. Estas normalmente iniciam a caminhada mais cedo, às vezes
antes mesmo do amanhecer, e finalizam no início da tarde. O sol castiga mais os
peregrinos nessa época. Além disso, existem mais pessoas fazendo a caminhada, e
chegar no albergue no final do dia é correr o risco de estar tudo lotado, ficar
sem teto e ter que tentar a sorte na próxima cidade. Muita gente reserva o
albergue com antecedência. Às vezes, já começam a caminhada com os albergues
reservados para todos os dias, sabendo exatamente quando e aonde irão dormir.
Mas cá entre nós, uma das melhores coisas que o caminho pode proporcionar é
VIVER O PRESENTE. E o presente não está nos albergues (e consequentemente nas
cidades) que você dormirá nos próximos dias. O presente é AGORA. O presente é
sentir, se sentir, ouvir a intuição e fluir com o caminho. É assumir “hoje não
dá mais, ficarei por aqui”. Ou então “ainda tenho muita energia e vontade de
caminhar, vou adiante!”. Claro, ciente dos riscos (ficar sem albergue no verão)
e disposto a corrê-los.
Na estação de trem de Sain-Jean. Foto: Stefan Fischer. |
Considerei esse
dia como 0.5 porque foi um ‘meio dia’ mesmo. Uma caminhada só pra matar a
vontade e a asiedade de começar. Descendo na estação de trem, era possível ver
outros peregrinos arrumando suas mochilas, colocando suas capas para enfrentar,
já de cara, a primeira chuva.
A maioria deles estava indo para o mesmo local que a gente (Rue de la Citadele, 27), para fazermos a nossa CREDENCIAL DO PEREGRINO. Nessa credencial, também chamada de passaporte, você recebe carimbos que comprovam sua passada/estadia em cada cidade. As carimbadas são distribuídas em albergues, igrejas e alguns bares. A credencial também é o que lhe dá direito a se hospedar nos albergues municipais. No final, é o que garante que você receberá a Compostela (aquele certificado que diz que você fez o caminho).
Capa da Credencial. |
A credencial é preenchida com carimbos durante o Caminho. |
Além disso recebemos uma lista com a maioria dos albergues, as distâncias entre eles, a época do ano em que estão abertos e os recursos disponíveis na cidade (banco, mercado...). Super útil, apesar de eu não ter precisado uma única vez. Ganhamos também uma outra folha, indicando as altitudes, distâncias entre principais cidades e uma sugestão de ‘etapas’ ou dias para fazer o caminho.
Por exemplo, no dia 01, quando se cruza a Serra dos Pirineus, se chega a uma altura superior a 1400 metros. Com essas informações era possível ter uma idéia se o dia exigiria mais do corpo ou não.
Nesse lugar onde fizemos a credencial, a senhora que nos atendeu nos indicou o local aonde poderíamos pegar a nossa concha. Concha? Que concha?? Percebi que o alemão sabia do que se tratava, me fiz de entendida “ah claro, a concha!”, peguei a minha e amarrei na mochila. É, eu nem sequer sabia que os peregrinos usavam uma concha (e agora estou em dúvida se eu sequer sabia que a concha era um símbolo do Caminho de Santiago). A Concha de Vieira (aquela que está desenhada ali na capa da credencial). Existem várias explicações sobre o porquê de ela ser o símbolo do caminho. Na minha opinião, a que mais faz sentido é essa: os peregrinos que regressavam de Finisterra – ponto mais a oeste da Europa, que antigamente era considerado o fim do mundo – mostravam aos seus familiares e amigos a concha como prova ou símbolo de que fizeram a peregrinação até Compostela. Para mim, é um símbolo que representa a vida, que é uma jornada assim como o Caminho. Ligado à Deusa Vênus, também representa o renascimento de uma pessoa, e todas as mudanças que ocorrem com o peregrino.
Depois de fazer
a credencial e amarrar a concha na mochila, capas de chuva e pé na estrada. Na
verdade, ficamos em dúvida entre começar já ou ou esperar para o dia seguinte. Vamos
caminhar, azar! Tá, mas para onde caminhamos? Como saber qual é o caminho a
seguir?
O caminho é todo
sinalizado por setas de cor amarela desenhadas no chão, em muros, pedras,
postes, árvores, marcos de concreto. Além das setas, pode aparecer como
sinalização, adivinhem? A tal da concha! Olhem esses exemplos:
Stefan e eu
éramos os únicos peregrinos naquela chuva, começando a caminhar às 16h. Tenho
que admitir que a chuva é um grande desafio para mim. Caminhar com tudo
molhado(ando), e saber que talvez nada iria secar durante a noite costumava me
deixar bastante desconfortável. Apesar disso, eu estava me sentindo super bem.
Afinal, não havia o que fazer, somente aceitar que estava chovendo. Ficar
reclamando ou de mau humor não iria mudar nada (algumas semanas depois, após
uns quatro dias seguidos de chuva, eu tentava me convencer de que era assim que
eu deveria pensar! hehehe).
Eu valorizava
muito estar ali, e valorizava mais ainda estar caminhando com alguém, especialmente
depois da “peregrinação antes da peregrinação”.
Me sentia mais forte, capaz de tudo. E até a chuva ficou mais light. Eu não
conseguia parar de pensar em como era bom e incrível estar começando o caminho.
Foram 6 km de
subida economizados para o grande dia de amanhã (da travessia da Serra dos
Pirineus). Nesse primeiro momento, esses 6 km pareceram bastante. Em 1h30 estávamos em Hunto, completamente enxarcados. Na verdade, quem
estava enxarcada era eu, que não tinha um tênis ou calças impermeáveis. Além
disso, minha capa de chuva era bem precária, não sendo suficiente para cobrir a
mochila (que eu cobriria com um saco de lixo) e eu. Ainda no trem, Stefan me
deu um poncho, meio descartável, mas que quebraria o galho e seria mais fácil
do que por a minha capa e o saco de lixo. No fim funcionou tão bem que acabei
usando-o praticamente o caminho inteiro.
Chegando na
pousada em Hunto, encontramos na um casal de pouco mais de 50 anos,
aposentados. Estavam caminhando desde Le Pui, na França. Já tinham caminhado um
mês e agora estavam na metade do caminho. Impressionante!
Ficamos em um quarto que cabiam seis pessoas, com duas camas, dois beliches e um banheiro. Stefan e eu estávamos sozinhos no início, mas logo chegaram dois Finlandêses, também mais velhos, de uns 50 e poucos ou tantos anos (tá, minha noção sobre as idades das pessoas não é super boa).
Ficamos em um quarto que cabiam seis pessoas, com duas camas, dois beliches e um banheiro. Stefan e eu estávamos sozinhos no início, mas logo chegaram dois Finlandêses, também mais velhos, de uns 50 e poucos ou tantos anos (tá, minha noção sobre as idades das pessoas não é super boa).
Quase na hora da
janta, chega um casal de bicicleta, enxarcados, exaustos e muito agradecidos
por estarem ali. O jovem casal está produzindo um documentário sobre o caminho.
Subiram de bicicleta a Serra dos Pirineus, mas o mau tempo os castigou
bastante. Muita chuva, muito vento, muito frio. Impossível de pedalar, e uma bicicleta
pesada devido ao equipamento. Conseguiram uma carona e decidiram voltar.
A janta foi um verdadeiro banquete, com vinho, sopa, pão, frango, batatas, queijo, geléia e até muffin de sobremesa. Mais tarde eu iria ver que esse é o padrão dos “menús do peregrino”. Pode parecer um banquete, mas não parece “comidada de verdade”. O Finlandês foi o primeiro a tirar uma foto do pessoal na mesa. É engraçado pois esses dois se tornaram os 'tiradores oficiais de foto' (algumas vezes um tanto quanto inconvenientes e/ou engraçados).
Enquanto jantávamos, eu pensava na loucura que era estar ali. Feliz por já ter começado a caminhar, mal conseguindo esperar a hora de caminhar no dia seguinte e cruzar a Serra dos Pirineus.
Ola Raquel. Muito bacana esse seu blog. Estou acompanhando com ansiedade, ja que farei o caminho a partir do dia 19 de maio, desde Roncesvalles.
ResponderExcluirPena que voce nao coloque os posts com mais regularidade....
Marcelo
Oi Marcelo!
ResponderExcluirGrata pelo comentário. Gostaria muuuiiito de conseguir publicar com mais frequência, só que ultimamente meu tempo está bem curto.Estou adorando escrever e relembrar todas as histórias.
O caminho é fantástico, aproveita!
Abraço.
Olá, Raquel!
ResponderExcluirEstou começando a ler seus posts e estou achando muito legal os detalhes e tudo. Não sei se algum dia farei o caminho, embora tenha muita vontade. Mas, gosto de ler sobre ele mesmo que não consiga ir nunca. :)
[]'s
Grata Camila!
ExcluirContinua acompanhando, em breve pretendo fazer algumas mudanças no site e trazer novidades. E quem sabe um dia vc não se empolga, decide e vai? ;)
Abraços!