sábado, 18 de maio de 2013

DIA 1 – TRAVESSIA DA SERRA DOS PIRINEUS


Hunto a Roncesvalles. 21 km. 8h30 às 16h.

Agora sim! Primeiro dia de verdade, cheio de vontade, ansiedade, curiosidade. Busca pelo desconhecido. Como vai ser? Será que vai chover? Vai ter outras pessoas? E a subida da Serra? Dizem que é difícil... Não sei, só sei que não acordamos mais cedo porque o café era só às 7h30 (e tava bem meia-boca comparado com a janta – só umas torradas com geléia e café). O amanhecer estava lindo, ensolarado.

Amanhecer em Hunto.

Às 8h30, os pés já estavam na trilha, os tênis ainda estavam molhados, prontos para caminhar.  Conforme subíamos os 1500 m de altitude, o frio (da Serra) e o calor (da caminhada) aumentavam, alternando com uma chuvinha que ia e vinha, e transformando a caminhada num tira-e-põe-capa-de-chuva-casaco-óculos-de-sol.
O caminho alterna trilhas e trechos asfaltados de uma pequena e não movimentada estrada, a não ser por eventuais carros, peregrinos e rebanhos.


Além dos que dormiram nesse albergue em Hunto, outras pessoas começaram a aparecer pelo caminho. Na maior parte das vezes, Stefan e eu apenas cruzávamos por essas pessoas desejando “Buenos dias” ou Buen Camino”. Algumas pessoas subiam a Serra de carro e paravam em pontos estratégicos para olhar a paisagem. Totalmente sem graça. Uma das figuras mais engraçadas que vi foi esse coreano e sua inusitada bicicleta. De alguma forma ele me lembrava um palhaço, e era tão atrapalhado que nos fazia rir como se ele realmente fosse um.


Caminhávamos rápido. E agora tenho que admitir (pois na hora eu nunca assumiria isso) que eu adorava ultrapassar as pessoas. Dava uma sensação de “rá, seu fraco! Sou mais forte e mais veloz que tu!”. E o contrário também acontecia, quando alguém me ultrapassava, eu me sentia a última das peregrinas. Ainda bem que isso durou apenas dois dias, pois depois disso o caminho “veio com tudo”, me obrigando a caminhar bem devagar.

Algumas horas depois, paramos para fazer um lanche. Eu não tinha muitas comidas comigo, mas isso não era um problema. É incrível como no Caminho as pessoas estão dispostas e abertas para compartilhar e dividir tudo. É quase uma regra implícita, todo mundo compartilha. E de coração. Stefan e eu dividimos o que tínhamos, dividimos o pão e fizemos sanduíche, barrinhas de cereal, frutas.

Pouco tempo depois entrávamos na Região da Navarra, Espanha, a 765 km de distância de Santiago.Pela primeira vez na vida, vi neve nas montanhas (tá, bem de longe, mas né?). É engraçado pois ninguém acreditava quando eu contava isso, as pessoas começavam a rir e achavam que era brincadeira. Afinal, como assim alguém que nunca viu neve na vida?



Alguns metros à frente, somos alcançados pela canadense Justine, que passa a caminhar conosco. Seguimos juntos, conversando sobre a vida e o caminho. Três pessoas que pediram demissão dos seus empregos, unidos ali por um objetivo comum. Tentando se descobrir, se encontrar. Encontrar o caminho.

A descida até Roncesvalles foi bastante íngreme. É possível descer pela estrada ou pela trilha. Dizem que a vista da estrada é muito bonita. Também dizem que, se está chovendo, a melhor opção é a estrada, pois a trilha pode ficar bastante escorregadia. Apesar da chuvinha, optamos pela trilha, que nem foi tão terrível assim.


O albergue em Ronscesvalles é, na verdade, um antigo mosteiro. Por 10 euros, você recebe um cama em um beliche, localizado em uma grande sala que possui baias de 2 beliches cada. Nessa parte nova do monastério tinham quase 200 camas.
Hora da janta, o tal do menu do peregrino: vinho, sopa, carne de porco, fritas, iogurte. Para mim, pareceu um prato de Tapas (petiscos típicos da Espanha), só que maior. De certa forma, não parece comida de verdade.

Albergue de Ronscesvalles. 
Grande sala com beliches da parte nova do albergue.
Baia com dois beliches.

Depois de quase comprar um guia de viagem do Caminho de Santiago em Saint-Jean e outro em Roncesvalles, decidi não comprar guia nenhum. O Caminho Francês é muito bem sinalizado e com uma boa infra-estrutura, então o guia não é extremamente necessário. Não ter um guia é uma forma a mais de se permitir estar no presente e não procurando no futuro as próximas cidades, supermercados, bancos. Vai dar tudo certo! E todas as vezes que precisei de uma informação importante (como saber que na manhã seguinte teria um trecho de 22 km sem fontes de água, casas, bares, restaurantes), a informação veio, fosse através de alguém com guia caminhando ao meu lado, pelo hospitaleiro no dia anterior ou o trabalhador de algum bar.

Pouco antes da janta, Justine recebeu um notícia que chocou a todos. Seu namorado sofreu um grave acidente enquanto fazia ciclismo: quase morreu atropelado por dois caminhões (sim, DOIS caminhões!), em cima de uma ponte. Incrivelmente, ele quebrou apenas o braço e a bacia. Situação bem difícil e complicada para ela, envolvendo decisões sobre o que fazer, se continuar no caminho ou não...
Nós também fomos levados a refletir bastante sobre a situação, e o quão louco e impressionante foi esse acidente. Encerro o dia de hoje com as palavras de Stefan, quando conversávamos sobre fragilidade e efemeridade da vida. De como não sabemos quando tudo pode terminar ou se podemos ficar impossibilitados para sempre de fazer o que quisermos.
“E você vai passar sua vida inteira fazendo o que não gosta. Vai passar a vida inteira sem ter amado”. 

2 comentários: