Hunto a Roncesvalles. 21 km. 8h30 às 16h.
Agora sim!
Primeiro dia de verdade, cheio de vontade, ansiedade, curiosidade. Busca pelo
desconhecido. Como vai ser? Será que vai chover? Vai ter outras pessoas? E a
subida da Serra? Dizem que é difícil... Não sei, só sei que não acordamos mais
cedo porque o café era só às 7h30 (e tava bem meia-boca comparado com a janta –
só umas torradas com geléia e café). O amanhecer estava lindo, ensolarado.
Amanhecer em Hunto. |
Às 8h30, os pés
já estavam na trilha, os tênis ainda estavam molhados, prontos para caminhar. Conforme subíamos os 1500 m de altitude, o
frio (da Serra) e o calor (da caminhada) aumentavam, alternando com uma
chuvinha que ia e vinha, e transformando a caminhada num
tira-e-põe-capa-de-chuva-casaco-óculos-de-sol.
O caminho
alterna trilhas e trechos asfaltados de uma pequena e não movimentada
estrada, a não ser por eventuais carros, peregrinos e rebanhos.
Além dos que
dormiram nesse albergue em Hunto, outras pessoas começaram a aparecer pelo
caminho. Na maior parte das vezes, Stefan e eu apenas cruzávamos por essas
pessoas desejando “Buenos dias” ou Buen Camino”. Algumas pessoas subiam a Serra de
carro e paravam em pontos estratégicos para olhar a paisagem. Totalmente sem
graça. Uma das figuras mais engraçadas que vi foi esse coreano
e sua inusitada bicicleta. De alguma forma ele me lembrava um palhaço, e era tão
atrapalhado que nos fazia rir como se ele realmente fosse um.
Caminhávamos
rápido. E agora tenho que admitir (pois na hora eu nunca assumiria isso) que eu
adorava ultrapassar as pessoas. Dava uma sensação de “rá, seu fraco! Sou mais
forte e mais veloz que tu!”. E o contrário também acontecia, quando alguém me
ultrapassava, eu me sentia a última das peregrinas. Ainda bem que isso durou
apenas dois dias, pois depois disso o caminho “veio com tudo”, me obrigando a
caminhar bem devagar.
Algumas horas
depois, paramos para fazer um lanche. Eu não tinha muitas comidas comigo, mas
isso não era um problema. É incrível como no Caminho as pessoas estão dispostas
e abertas para compartilhar e dividir tudo. É quase uma regra implícita, todo
mundo compartilha. E de coração. Stefan e eu dividimos o que tínhamos,
dividimos o pão e fizemos sanduíche, barrinhas de cereal, frutas.
Pouco tempo
depois entrávamos na Região da Navarra, Espanha, a 765 km de distância de
Santiago.Pela primeira vez na vida, vi neve nas montanhas (tá, bem de longe, mas né?). É engraçado pois ninguém acreditava quando eu contava isso, as pessoas começavam a rir e achavam que era brincadeira. Afinal, como assim alguém que nunca viu neve na vida?
Alguns metros à frente, somos alcançados pela canadense Justine, que passa a caminhar conosco. Seguimos juntos, conversando sobre a vida e o caminho. Três pessoas que pediram demissão dos seus empregos, unidos ali por um objetivo comum. Tentando se descobrir, se encontrar. Encontrar o caminho.
A descida até Roncesvalles
foi bastante íngreme. É possível descer pela estrada ou pela trilha. Dizem que
a vista da estrada é muito bonita. Também dizem que, se está chovendo, a melhor
opção é a estrada, pois a trilha pode ficar bastante escorregadia. Apesar da
chuvinha, optamos pela trilha, que nem foi tão terrível assim.
O albergue em Ronscesvalles
é, na verdade, um antigo mosteiro. Por 10 euros, você recebe um cama em um
beliche, localizado em uma grande sala que possui baias de 2 beliches cada.
Nessa parte nova do monastério tinham quase 200 camas.
Hora da janta, o
tal do menu do peregrino: vinho, sopa, carne de
porco, fritas, iogurte. Para mim, pareceu um prato de Tapas (petiscos típicos
da Espanha), só que maior. De certa forma, não parece comida de verdade.
Albergue de Ronscesvalles. |
Grande sala com beliches da parte nova do albergue. |
Baia com dois beliches. |
Depois de quase
comprar um guia de viagem do Caminho de Santiago em Saint-Jean e outro em Roncesvalles, decidi não
comprar guia nenhum. O Caminho Francês é muito
bem sinalizado e com uma boa infra-estrutura, então o guia não é extremamente
necessário. Não ter um guia é uma forma a mais de se permitir estar no presente e não procurando
no futuro as próximas cidades, supermercados, bancos. Vai dar tudo certo! E
todas as vezes que precisei de uma informação importante (como saber que na
manhã seguinte teria um trecho de 22 km sem fontes de água, casas, bares,
restaurantes), a informação veio, fosse através de alguém com guia caminhando
ao meu lado, pelo hospitaleiro no dia anterior ou o trabalhador de algum bar.
Pouco antes da
janta, Justine recebeu um notícia que chocou a todos. Seu namorado sofreu um grave acidente enquanto fazia ciclismo: quase morreu atropelado por dois caminhões (sim, DOIS caminhões!), em cima de uma ponte. Incrivelmente, ele
quebrou apenas o braço e a bacia. Situação bem difícil e complicada para ela, envolvendo decisões sobre o que fazer, se continuar no caminho ou não...
Nós também fomos levados a refletir bastante sobre a situação, e o quão louco e impressionante foi esse acidente. Encerro o dia de hoje com as
palavras de Stefan, quando conversávamos sobre fragilidade e efemeridade da vida. De como não sabemos quando tudo pode terminar ou se podemos
ficar impossibilitados para sempre de fazer o que quisermos.
“E você vai passar sua vida inteira fazendo o que não gosta. Vai passar a vida inteira sem ter amado”.
gOSTEI DA FORMA COMO FOI CONTADA A SUA EXPERIÊNCIA E AS CIDADES QUE PASSOU
ResponderExcluirGrata, Fátima!
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